segunda-feira, 15 de maio de 2023

alguns fragmentos

i.
Há muitos anos atrás eu lembro de fazer uma lista de coisas que fazia eu me sentir eu — e de um jeito bem profundo de eu, não só um "ah, eu gosto disso aqui". Tinha desde coisas muito bestas, tipo prender cabelo com um lápis, e ouvir jazz, até coisas maiores, que eu sei que estavam lá, mas não lembro quais eram. 

ii.
Ontem foi dia das mães, e eu vim pra baixada santista pra ver ela e o resto da família. Sempre tive uma relação de amor e ódio com a cidade em que eu nasci e cresci — pela maior parte da vida, já que eu nem sempre morei aqui —, e essa sensação as vezes é a mesma que eu tenho a respeito de coisas que eu nunca tive. E essa é também a mesma sensação de várias das coisas que tão nessa lista. Uma lista que tem o cheiro da maresia, que por muito tempo me fez até mal. Luzes de Natal daquelas que são lâmpada mesmo, coloridas. Neve. Duas coisas presentes em alguns dos momentos mais difíceis que eu já passei. Ambas na lista.

Assisti Seinfeld com a minha mãe. Rimos de verdade até das piadas meio sem graça.

iii.
Ouço o podcast da Julia Louis-Dreyfus, e esses dias finalmente ouvi o episódio em que a convidada é a Fran Lebowitz. Uma figura, e ajuda que tudo que eu ouvi desse podcast até agora me toca de uma forma que eu não sei explicar direito. Perguntas e respostas honestas — erros cometidos, arrependimentos. Sua memória favorita.

Julia abre o episódio falando da infância em Nova York, de comprar um brinquedo em uma loja que não existe mais. Da neve. Da cidade ao seu redor. Ela fala de ter mudado de lá muito, muito cedo, e se emociona falando sobre voltar.

iv.
Tenho um desses guias de viagem que é da série Para Leigos, sobre Nova York. Eu lembro do dia que eu comprei. Ganhei, na verdade.

Estávamos em São Paulo, eu, meus pais, uns amigos da família. Um deles me disse um dia que sempre quis visitar Nova York. Eu não lembro de saber muito sobre a cidade até aquele momento. Eu devia ter uns 12 anos, nem tinha muito como.

Alguma coisa clicou na minha cabeça, e eu fui atrás da sessão de livros de viagem. Se mal me lembro quando passamos no caixa eu pedi pro meu pai levar um livro; eu lembro bem dele dizer:

— Porque que você quer um livro sobre Nova York? Tá pensando em ir pra lá?

Eu dei de ombros. Não sabia responder, mas eu não queria ir embora sem o livro.

v.
Dei embora a maioria dos meus livros, quando mudei de vez da casa dos meus pais. 

Ainda tenho o Nova York Para Leigos. Acho que a maioria dos lugares que tão escritos lá nem existem mais.

vi.
To escrevendo esse texto sentada na sala de espera da minha psiquiatra. Não conhecia ela até recentemente, não pessoalmente. Só pela tela do Google Meet, ou das calls do WhatsApp. Vim de Uber, sem me importar com o trânsito na Av. Ana Costa. Quatro da tarde, nem era tão horário de pico assim.

Minha psiquiatra tem um jeito que me lembra uma personagem da Ilana Kaplan, uma psicóloga. Minha vida as vezes parece ficção mesmo. Quando acabar aqui eu vou pra casa do meu pai andando. São 40min de caminhada, mas eu vou pela praia, sem correria. Tomo um caldo de cana no caminho.

Eu fazia isso nos meus piores dias, em 2021. Terapia toda semana, e voltar andando pra casa dessa mesma rua. Tomar um caldo de cana. Eu queria sumir, naquela época. A caminhada e o caldo de cana estão na lista.

vii.
Nova York está na lista.

Não fui lá ainda. Mas tá lá.

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