quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Carta à Leon

Querido Leon,

Como vai aí no bem-bom, palhaço? Vendo tudo de longe? Que vidão.

Apesar de que não né. Não tecnicamente, ao menos.

Eu tava pensando em quando eu era criança e lembrei de alguns momentos no apartamento de Santos. Aquele primeiro, que a mãe me olhava da janela e me via brincando na escola. Eu era meio brigona, quando era criança. E ao mesmo tempo eu sempre fui meio sensível. Acho que até demais.

Uma coisa puxa outra agora. Quando tudo te atinge, tudo dói, você arranja um jeito ou outro de fazer não doer. Seja um senso de humor bizarro, uma frieza, uma esquisitice... uma mania de quebrar régua na cabeça dos meninos quando eles zoam você.

Eu era um potinho de sensibilidade, mas você teria sido tão mais que eu. E não ia ter problema porque você ia poder ser.

Eu teria sido uma ótima irmã mais velha — eu seria mais velha. Eu ia te odiar um pouco, porque é o normal. Você ia ter mais talento que eu pra tudo que a gente fizesse, provavelmente. Talvez a mãe gostasse mais de você, até. Provavelmente. Sabe como ela é.

Acho que você teria sido mais sensível que eu. E nunca, por tudo nessa vida, eu ia te deixar ficar assim que nem eu. Eu teria esfarrapado qualquer um que chegasse perto de ti. E feito tua vida um inferno eu mesma depois, ou sei lá.

Você nunca ia ver uma briga, se fosse por mim. Nunca ia ter que fingir que não sabia o que tava rolando. Não ia ter que ficar criando a mãe; nunca ia ter que ver ela triste. Cê ia estudar e jogar video game com o pai e dar risada de alguma coisa idiota com o Gabriel e o Rafael.
A gente ia comer churrasco no sítio e brincar no campinho e você ia chorar quando os peixinhos que o cara esquisito que morava do lado dava pra gente morressem. Você ia ficar irritado porque eu ia ter que ir com você pra comprar bala na vila.
A gente ia ter os mesmos interesses bizarros de quem foi criado por quem foi. A gente ia falar inglês quando não queria que os outros entendessem. Cê ia ser um aluno melhor que eu e estudar sei lá. Direito. Medicina. Engenharia. Uma dessas coisas que já tem demais, mas que deixam a família impressionada. E ia ser porque você quer mesmo, porque o pai e a mãe não dão uma foda, e eu não ia deixar você fazer alguma coisa só porque alguém acha que deve.

Aposto que cê ia tocar algum instrumento. Guitarra. Ou... No meu sonho você toca piano e a gente toca junto. Mas não sei se a gente seria próximo.

Quem eu tô enganando. Claro que sim. Claro que sim.

Eu conheci as filhas da namorada (esposa?) nova do pai, e elas parecem muito legais. Bem próximas. Dizem que brigaram muito na infância, mas dá pra ver que... Foda-se né.

Vai além de se ajudar. Vai além de companhia.

Acho que não tem nada que pareça com isso. Que seja meio equivalente. Nada que crie um laço assim. Eu tirei umas fotos das três juntas, elas se vendo pela primeira vez em acho que três anos. 

Não. Não tem nada assim. Não tem nada que vá substituir esse fio que devia ter entre eu e você. Eu vejo ele as vezes. Amarrado no meu pulso, um dos fins, e o outro sumindo pro nada. 

Nos meus momentos de maior estresse, daqueles em que parece que alguém abriu minha alma no meio e que tudo é meio... sei lá, demais. Nesses momentos eu tenho saudades de ti — não, não só saudades. Eu sinto a falta. Todas as quinas, contornos — eu conheço o perímetro dessa falta tão bem que eu acho que eu podia desenhar. Esculpir. Tem forma, volume.

Eu queria poder puxar o fio e achar você do outro lado, mas não dá. E quando eu tento eu lembro que não dá, e daí eu não puxo porque quando mais eu tento pior é sabe que eu tô sozinha.

Daquela vez que eu disse "é que não é você que tá aqui né," você disse:

"Eu sempre tô." 

E eu até acredito que sim. As vezes é o que deixa meu dia menos escroto, na real.

Mas eu queria ter certeza. Eu queria poder sentir uma resistência qualquer do outro lado da linha. Alguma segurança de que no outro fim tem você.

Enfim.

Espero que eu não esteja zoando tanto as coisas. Espero que cê não esteja pensando "puta merda eu devia ter ido. Essa maluca só faz merda".

Eu tô fazendo meu melhor. E rezando pra que seja o suficiente.

Dá um oi pra vó e pro vô por mim. Pra vózinha também. E pra mais todo mundo que eu não tô lembrando agora.


Tua irmã,

Ariel.

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